Envolta em panos…

Era meia-noite… Pouco antes, homens simples, muito humildes, seriam surpreendidos por estonteante coral de seres luminosos, celestiais. Longe dali, sábios reis, estudiosos dos céus, avistavam um astro novo, reluzente, diferente, na moldura cósmica previamente conhecida. Anteriormente, no período de uma gestação humana, um nobre carpinteiro, numa pequena vila no fim do mundo, agira com misericórdia incomum para com sua noiva em situação de extrema vulnerabilidade e suspeita. Há alguns dias da escolha do carpinteiro, a própria moça, singela, crente, fiel, proferira palavras que ecoam, até hoje, e para a eternidade: cumpra-se em mim! Décadas e décadas atrás, um homem e uma mulher, agora velhos e de longos dias, já esperavam, aguardavam, ansiavam, por aquele dia, aquela singular meia-noite, instante augusto que, enfim, chegava para um povo que andava em trevas, povo que, desesperadamente, precisava de luz. A barba branca do velho sacerdote e as pernas cansadas da profetisa anciã, nada perdiam por esperar por mais oito dias, até o tempo da circuncisão de um menino simples, das bandas da Galileia.

Os personagens ao redor da manjedoura, cada qual com sua própria humanidade, nos legam modelo de existência, modo de viver e virtudes que podemos acolher em nossos corações e praticar em nossas vidas. O conjunto das suas atitudes revela a essência daquelas pessoas, representantes de todo ser humano, e espelha o ideal do autêntico cristão, fiel e imitador de Cristo. Que nestes tempos de advento, tais qualidades e o caráter daquelas personagens do primeiro natal inspirem a cada um de nós. Que nossos corações sejam humildes como os pastores, pobres, incógnitos, nas campinas desta vida. Que nossa reverência seja como a dos magos, nos dispondo a seguir o sinal da verdadeira Luz que veio ao mundo, perseguindo-a até nos encontrarmos com Jesus e, perante ele, nos ajoelharmos com as oferendas mais preciosas que pudermos produzir ao longo da vida. Que nossa fidelidade e altruísmo, como José, coloquem em primeiro lugar a vida do outro, a alegria do outro, a esperança do outro, ainda que em detrimento de nós mesmos. Que nossas bocas, assim como a da idosa profetisa Ana, se encham de gratidão e louvor a Deus, que nos enviou a sua redenção encarnada, e jamais deixem de propagar esta verdade eterna, que na cidade de Davi, milênios atrás, nos foi dado o Salvador. Que, por fim, sejamos como o velho Simeão, pessoas piedosas porque aguardam o consolo que só vem daquele que nos criou. Sejamos como aquele velhinho cansado que, ao avistar o menino Jesus, sentiu no peito a serena certeza de que podia se despedir, em paz, da própria vida. Pois sabia, Simeão, que naquela criança, que nasceu envolta em panos, numa singela manjedoura, nos era outorgada a vida verdadeira, a eterna presença, o Deus conosco.

Por Cayo César Santos – Presbítero da Igreja Presbiteriana do Planalto, membro do Centro Cristão de Estudos e colaborador na área de mentoria do Projeto Vocatio, em Brasília/DF. Autor do livro “Século I: O Resgate” Ed. Ultimato.

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